quarta-feira, 3 de março de 2010

CONSTRUINDO UM MUNDO COMUM

“o silêncio político de um indivíduo ou de uma comunidade no pensamento arendtiano, representa, portanto, muito mais do que o encolhimento de suas liberdades e de seus movimentos. Representa uma perda para o mundo, na medida em que se retira dele parte das distâncias entre os seres humanos, distâncias que o compõem” (Gabriel de Sanctis Feltran)


O dia 1° até a madrugada do dia 2 de março de 2010 foi um momento histórico para o povo sarandiense e quiçá para a política desta região. Finalmente a justiça não esbarrou na impunidade e no privatismo que a classe dominante Sarandiense exerceu nesta cidade durante anos. De fato, por volta das 9h30 da manhã do dia 1°, depois de muita tensão deu inicio a sessão pública na câmara dos vereadores com o objetivo de votar a cassação do então prefeito Milton Martini (PP). Entretanto a agonia ainda perduraria por mais de vinte horas. A defesa do ex-prefeito requereu junto aos vereadores a leitura do processo de mais de quinhentas páginas relatando todos os trabalhos da comissão processante. Enfim, após a cansativa e longa leitura, deu-se enfim a votação aberta dos vereadores e, por unanimidade, Martini teve o seu mandato cassado pela câmara dos vereadores do Município de Sarandi.

Finalmente o povo desta cidade viu justiça sendo feita, diz o senso comum. Viu? por acaso o povo apenas viu justiça sendo feita? Quando o povo permanece em sua privacidade, e se exclui da esfera pública não há construção de algo novo, mas o poder permanece nas mãos de uma elite dominante, conservadora e criminosa. De fato, ao se exilar da esfera pública, há, conseqüentemente o exílio da democracia, e portanto, eliminamos os espaços compartilhados de entendimento da vida, os espaços públicos, suprimindo a possibilidade de construir um mundo comum. Como afirma Hannah Arendt é no espaço público em que o cidadão se torna igual aos seus pares, e por isso pode manifestar suas diferenças e especifidades, e nesta esfera tem a condição de reivindicar seus direitos, inclusive o direito a ter direitos. De fato, “Hannah Arendt trabalha com a noção de espaço público como forma de habitar o mundo, e com a idéia de contingencia política. Esta pode aparecer a qualquer momento, a despeito de ser rara, das mais diferentes situações, e faz pensar sobre um mundo ampliado, comum” (FELTRAN, 2005, p.99), então o povo não viu, isto é assistiu passivamente, o povo fez a justiça acontecer, a população foi a esfera pública e reivindicou seus direitos, construiu algo novo. É importante ressaltar que não pretendo um conclusão peremptória, mas indicar a importante, talvez decisiva, atuação popular neste processo.

Penso que o processo de cassação do prefeito Milton Martini passa por esta análise. Ao se afastar do espaço público a população perde a capacidade de discernir entre o certo e o errado, entre o bem e mal e acaba se tornando suscetível de manipulação e compactuação omissa (ou subbimssa?) com a exploração e expropriação do direito aos direitos humanos. Neste estado permaneceu a população de Sarandi por muito tempo, abaixando a cabeça para governos corruptos como o do senhor Milton Martini. Entretanto, ao ir as ruas, ao se colocar em condição de debate, de reivindicação, e posicionar contundentemente contra esta realidade, algo novo surgiu na história de Sarandi, e pela primeira vez na historia tivemos um prefeito cassado por corrupção neste município.

Portanto, para a autora, ir ao espaço público, falar, expressar sua opinião através da linguagem é uma ação fundadora de uma nova sociedade, é construir um mundo comum, onde se constrói o consenso, através do debate, e como afirma Feltran “O consenso que não se funda no debate, mas previamente a ele, exclui”. Portanto, precisamos dar continuidade a este processo na cidade de Sarandi, sob o risco da violência política retornar, caso abandonemos a esfera pública. No dia 1° de março de 2010 o povo Sarandiense deu o primeiro passo em direção a este mundo comum, entretanto não podemos voltar a nossa intimidade (o que é muito salutar para a vida privada), precisamos permanecer e a avançar nas reivindicações de nossos direitos e na construção de uma democracia forte, participava e justa, livre de corrupção e da violência de qualquer tipo. Neste sentido, a importância do 1° de março não se limita a demissão de um prefeito, mas a consolidação de um processo de luta, de denuncia, de ir pras ruas e debater a construção do mundo público novo e compartilhado.