sábado, 13 de novembro de 2010

Por que a oposição às cotas raciais nas universidades?

Por Antônio Ozaí da Silva

Assisti ao documentário Raça Humana, da TV Câmara.*Revela os bastidores da discussão sobre as cotas raciais na Universidade de Brasília e apresenta os argumentos a favor e contrários.

A rejeição das cotas raciais faz parte da democracia. Não obstante, o discurso dos discentes e docentes faz pensar: por que tamanha oposição e agressividade? Será possível compreender esta postura apenas pelos argumentos ou é inerente à natureza da universidade? A minha hipótese é que a contenda sobre as cotas expressa algo mais profundo do que ser contra ou a favor. É o próprio caráter da universidade e do seu papel na sociedade que se encontra sob questionamento.

A universidade é, por excelência, o espaço das elites, expressão da influência desta no âmbito da sociedade – e isso é particularmente visível nos cursos de elite, os mais concorridos. A universidade é pública. Porém, da mesma forma que o Estado universaliza a cidadania através do reconhecimento dos direitos políticos, igualiza a todos na universalidade da lei e na categoria cidadão/cidadã e, assim, coloca um véu sobre a realidade social desigual, a universidade pública escamoteia as desigualdades de oportunidades fundadas em diferenças raciais, sociais e culturais. Se a universidade é para todos e, em tese, qualquer indivíduo, desde que se esforce, pode ingressar nela, ela o é no discurso, na letra da lei, no mito de que o vestibular é um critério justo para definir quem entra. A universidade é, por sua natureza social, excludente. As exceções dos menos favorecidos social e economicamente que conquistam o direito de freqüentá-la, e até de seguir carreira e se tornarem professores universitários e doutores, apenas confirmam a regra.

A universidade é intrinsecamente elitista. Não é por acaso que a resistência às cotas raciais aumenta na medida em que a escolaridade e o nível de renda são maiores. Isto tem uma relação direta com a oposição tenaz em cursos cujo perfil discente demonstra nível de renda maior (como no Direito).

Escolaridade e nível de renda caminham juntos. A classe média e os que se encontram acima, os mais aquinhoados financeiramente, são os que ocupam em sua maioria as vagas na universidade. No fundo, até mesmo pelo investimento que fazem na preparação dos seus filhos, vêem a universidade como sua. As cotas lhes parecem um perigoso artifício para tirar um direito adquirido pela posição que ocupam na sociedade. Até admitem que os pobres concorram, mas não reconhecem que o ponto de partida destes é inferior. No limite, acabam culpando o pobre pela situação em que se encontra.

Na universidade prevalece um tipo de saber pretensamente científico e racional, branco, eurocêntrico e excludente da cultura e saber populares. Eis os alicerces da nossa universidade, os quais foram sedimentados pela colonização que, seguindo a modernidade ocidental, impôs um padrão dominante erigido como novo dogma substituto à teologia. Em outras palavras, na universidade assimilamos acriticamente o modelo racional científico de saber, oficial e pretensamente neutro, legitimado em si mesmo. São os fundamentos elitistas desse saber e cultura oficiais, reservados aos que, desde a infância, trilham os caminhos e são preparados para incorporá-las: pois, suas famílias têm condições econômicas e culturais para tanto, isto é, são depositários do “capital social” e “capital cultural”. O vestibular, portanto, termina por escolher os escolhidos social e economicamente, isto é, os mais preparados pelas próprias condições de vida para passar pelo funil.

Raça Humana é um documentário que contribui para esta reflexão. Vale a pena assistir!


* Com direção e roteiro de Dulce Queiroz e duração de 42 minutos, Raça Humana foi vencedor da categoria Documentário, na 32ª edição do Prêmio Vladimir Herzog de Anisitia e Direitos Humanos, em 2010. Para mais informações e download do vídeo em alta resolução, acesse: http://www.camara.gov.br/internet/tvcamara/?lnk=RACA-HUMANA&selecao=MAT&materia=100406&programa=138&velocidade=100K



Confira outros artigos do autor em: http://antoniozai.wordpress.com/

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Para quem vou votar nestas eleições.

que bom poder discutir no nível da política. Isso do meu ponto de vista é fundamental para a construção de um mundo público, comum.

A política opera com outra lógica, diferente da nossa moral. Meu posicionamento é sobretudo contra José Serra, não só porque ao lado dele esta vários políticos corruptos, como o próprio Severino Cavalcante. O pior que isso é que Serra é apoiado pelo DEMOCRATAS. Este partido é o antigo ARENA, o partido dos militares que deram o golpe militar e perseguiram, torturam, exilaram e mataram milhares de brasileiros. Neste contexto o Serra se exilou, foi para o Chile onde se casou e sua mulher inclusive cometeu um aborto enquanto Dilma ficou aqui lutando pela democracia. Mas respeito as duas posições, pois ambos estavam contra a bárbarie da ditadura.

O José Serra além do apoio desta direita golpista, conta com o apoio do grande latifúndio e do grande empresariado, responsáveis pela concentração de renda nas mãos de uma elite dominante. Além de políticos corruptos, o programa de governo de José Serra e do PSDB é alinhado as estruturas corruptas da sociedade, que dominam, exploram e oprimem o pova brasileiro já por 500 anos.

Não se trata, contudo de defender a corrupção dentro do governo. Pelo contrário, é e deve ser combatida veementemente. Dirceu foi julgado e condenado pelos crimes que cometeu. Todas as denúncias de corrupção foram apuradas pelo governo do PT, enquanto, por sua vez, os governos do PSDB reprimeram e esconderam os crimes de seus governos, como foi o caso das licitações da secretaria da educação de SP aprovadas para o grupo abril. No governo FHC a lei de reeleição foi aprovada através da compra de votos, Isso nunca foi apurado.O mensalão não começou no governo Lula, esperamos que tenha terminando nele.
Contudo, não sou um apaixonado cego pelo PT e/ou Lula. Fui em todo este período de governo um crítico de muitas políticas realizadas pelo governo, que não são capazes de resolver o problema do país, apenas tapar buracos. Entretanto, seria muito equivocado deixar de reconhecer os profundos avanços do governo Lula. Nós não percebemos isso porque não fazemos parte da população mais pobre do país. Não é a toa que a maioria absoluta dos nordestinos votam em Dilma. Em outros países, a começar pelo EUA, o Brasil esta muito prestigiado pela sua capacidade de retirar tanta gente da miséria e ainda realizar uma política internacional muito positiva.
Neste atual contexto, só compessa tirar o PT do governo se for pra por alguém pra aprofundar ainda mais a distribuição de renda e a iguadade social. Este projeto certamente não será continuado pelo PSDB. Historicamente os governos deles tem acentuado significativamente a concentração de renda na mão da elite dominante. O período em que a desigualdade social mais acentuou-se foi no governo de FHC.

Por todos estes motivos, considero a eleição de Serra um profundo retrocesso para a democracia do Brasil. Na minha opinião se a Dilma não é a candidata de nossos sonhos (apesar de eu considerá-la extremamente competente), o Serra é o pior dos pesadê-los para as pessoas pobres, para os trabalhadores, para os professores básicos e universitários, para os movimentos sociais, enfim, para todos que lutam por uma sociedade mais justa, igual e democrática. Ao contrário do que se apregoa, a ameaça a democracia não é o PT e sim Serra. Basta ver a campanha golpista dele apelando para os sentimentos da população em relação ao aborto e outras questões religiosas. Todos já sabemos que aléem de ter sido ele o grande patrocinador das privatizações, assinou a lei de aborto em caso de estupro e risco para mãe, e o mais grave, alunas de sua mulher relataram que ela cometeu um aborto, quando moravam no Chile.

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

O Tiririca sabe ler?


Não se trata de discriminar o analfabeto, mas de avaliar as reais capacidades intelectuais de gestão de um cargo público tão exigente quanto ao que o palhaço se candidata. Caso ele não saiba ler, que antes o aprenda. Que descubra o que faz um candidato e que não se permita ser usado pelas classes conservadoras e oportunistas basileiras.Não se trata de discriminar o analfabeto, mas de avaliar as reais capacidades intelectuais de gestão de um cargo público tão exigente quanto ao que o palhaço se candidata. Caso ele não saiba ler, que antes o aprenda. Que descubra o que faz um candidato e que não se permita ser usado pelas classes conservadoras e oportunistas basileiras.

domingo, 12 de setembro de 2010

POLÍTICA, DEMOCRACIA E FUNDAMENTALISMO RELIGIOSO



Eu defendo a liberdade política e religiosa, próprias da democracia. No entanto, o vídeo acima, que está sendo disseminado na internet, é absolutamente absurdo. Primeiro que a maioria absoluta da igreja católica (inclusive da CNBB), embora com críticas, tem apoiado com firmeza o governo Lula, que o foi o melhor que já existiu e o único que tirou mais 20 milhões de pessoas da miséria. Ao veicular esta tipo de vídeo, o que fazemos é somente favorecer o candidato que apoia as grandes empresas e as classes dominantes deste país, que o governam desde a conquista violenta feita pelos europeus, inclusive com o aval da Igreja católica. Não é difícil perceber que historicamente a Igreja católica esteve ao lado dos dominantes, desde o período medieval, embora atualmente a CNBB sabiamente apoia os grupos políticos que defendem o fim da miséria e a igualdade social.

Não sei se vc sabe mas a raiz do aborto esta na condição social indigna de miséria. Uma pessoa que tem condições materias e humanas de criar um filho com amor jamais desejará fazer um aborto.
Vc também deveria saber que o José Serra é apoiado pelas grandes empresas, pela rede globo e pela grande imprensa. Também deve saber que não são as propostas de campanha que serão efetivadas. Na verdade, o presidente eleito deverá devolver aos grupos que o apoiram as benesses do seu governos. O que o FHC fez, e o Serra continuará fazendo, caso eleito, é entregar nossa país as grandes multinacionais. E isso não significará apenas a morte de fetos, mas a desgraça de um país inteiro, com redução de salários, enriquecimento das grandes empresas e degração do meio ambiente. Deste modo, pergunto, o Serra ao fazer um falso discurso contra o aborto, por acaso é a favor da vida?
Sim, ele é a favor dos empresários que financiam a campanha dele e dos seus comparsas. Imagina quantas vidas podem ser abortadas aos poucos durante toda a vida sem água para beber, comida para comer ou uma cama para dormir? o que será duma criança que nasce numa favela, cujo pai é traficante e a mãe é desnutrida e prostituta?
Aí encontra-se a raiz do problema.

Não se trata, aqui de ser a favor do aborto, sou absolutamente contra. Trata-se de defender uma sociedade democrática que busque a igualdade social, o fim da fome dos vivos.
Depois, é absolutamente homofóbico, preconceituoso e autoritário querer impor aos homessexuais que cumpra as regras religiosas. As igrejas tem total liberdade para defender seus ideiais, mas é um verdadeiro crime querer impor isso a quem não acredita ou não tem essa doutrina como verdade. Por acaso alguma Igreja tem o testamento de Deus dizendo o que é e o que não é verdade?
eu acredito que um homossexul sincero e com caráter teria maior espaço nos braços de Jesus do que religiosos fanáticos, fundamentalistas e hipócritas.
Qual mal há em amar outro ser humano, a não ser ferir o orgulho machista de alguns fundamentalismos.

Mas, se seguirmos a linha deste vídeo, devemos abrir mão de 8 anos de avanço no emprego, na moradia, na educação, na saúde para retroceder a um governo cuja princial bandeira é defender os interesses das grandes empresas internacionais orquestradas pelo EUA.

Se existe algum projeto político que defende a vida, certamente não é o projeto tucano. Basta olhar como os professores foram recepcionados por Serra, quando da legitima luta por melhores salários.

Olha, teço muitas críticas ao governo Lula, mas porque penso que temos que avançar na distribuição de renda, na reforma agrária, na ampliação do acesso a universidade e na educação de qualidade, e no aprofundamento da democracia, e não porque desejo retrocedor ao projeto das classes dominantes brasileiras, representadas por José serra.

Engraçado, por que algumas denominaçoes religiosas se preocupam tanto com o aborto, e não se preocupam com as milhares de crianças que são estupradas todos os dias? por que não se preocupam com os milhões de desempregados? por que não se preocupam com a concentração de terra absurda neste país? por que não re preocupam com o trabalho escravo infantil e adulto que existe neste países? por que não se preocupam com a concentração de riquezas, inclusive nas mãos de empresas administradas por religiosos?

Isso é obvio. Se preocupar com essas questões significa fim de vultosas doaçoes às igrejas. Significa perda de fiéis entre as classes dominantes e, consequente, perda de poder.

A única religão verdadeira só pode ser aquela que defende a vida, a igualdade social, a partilha dos bens. Só pode haver religião verdadeira se esta optar pelos excluídos, pelos deserdados da terra, pelos injustiçados, pelos pobres, pelos oprimidos, desde a sua concepão até o final da sua vida. Não foi isso que Jesus fez a vida toda?

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Chico Buarque - Funeral de um lavrador

É A PARTE QUE TE CABE NESTE LATIFÚNDIO
















Morte e Vida Severina - João Cabral de Melo Neto
O RETIRANTE EXPLICA AO LEITOR QUEM É E A QUE VAI

— O meu nome é Severino,
como não tenho outro de pia.
Como há muitos Severinos,
que é santo de romaria,
deram então de me chamar
Severino de Maria
como há muitos Severinos
com mães chamadas Maria,
fiquei sendo o da Maria
do finado Zacarias.

Mais isso ainda diz pouco:
há muitos na freguesia,
por causa de um coronel
que se chamou Zacarias
e que foi o mais antigo
senhor desta sesmaria.
Como então dizer quem falo
ora a Vossas Senhorias?
Vejamos: é o Severino
da Maria do Zacarias,
lá da serra da Costela,
limites da Paraíba.
Mas isso ainda diz pouco:
se ao menos mais cinco havia
com nome de Severino
filhos de tantas Marias
mulheres de outros tantos,
já finados, Zacarias,
vivendo na mesma serra
magra e ossuda em que eu vivia.
Somos muitos Severinos
iguais em tudo na vida:
na mesma cabeça grande
que a custo é que se equilibra,
no mesmo ventre crescido
sobre as mesmas pernas finas
e iguais também porque o sangue,
que usamos tem pouca tinta.
E se somos Severinos
iguais em tudo na vida,
morremos de morte igual,
mesma morte severina:
que é a morte de que se morre
de velhice antes dos trinta,
de emboscada antes dos vinte
de fome um pouco por dia
(de fraqueza e de doença
é que a morte severina
ataca em qualquer idade,
e até gente não nascida).
Somos muitos Severinos
iguais em tudo e na sina:
a de abrandar estas pedras
suando-se muito em cima,
a de tentar despertar
terra sempre mais extinta,
a de querer arrancar
alguns roçado da cinza.
Mas, para que me conheçam
melhor Vossas Senhorias
e melhor possam seguir
a história de minha vida,
passo a ser o Severino
que em vossa presença emigra.




ENCONTRA DOIS HOMENS CARREGANDO
UM DEFUNTO NUMA REDE,
AOS GRITOS DE "Ó IRMÃOS DAS ALMAS!
IRMÃOS DAS ALMAS! NÃO FUI EU
QUEM MATEI NÃO!"


— A quem estais carregando,
irmãos das almas,
embrulhado nessa rede?
dizei que eu saiba.
— A um defunto de nada,
irmão das almas,
que há muitas horas viaja
à sua morada.
— E sabeis quem era ele,
irmãos das almas,
sabeis como ele se chama
ou se chamava?
— Severino Lavrador,
irmão das almas,
Severino Lavrador,
mas já não lavra.
— E de onde que o estais trazendo,
irmãos das almas,
onde foi que começou
vossa jornada?
— Onde a caatinga é mais seca,
irmão das almas,
onde uma terra que não dá
nem planta brava.
— E foi morrida essa morte,
irmãos das almas,
essa foi morte morrida
ou foi matada?
— Até que não foi morrida,
irmão das almas,
esta foi morte matada,
numa emboscada.
— E o que guardava a emboscada,
irmão das almas
e com que foi que o mataram,
com faca ou bala?
— Este foi morto de bala,
irmão das almas,
mas garantido é de bala,
mais longe vara.
— E quem foi que o emboscou,
irmãos das almas,
quem contra ele soltou
essa ave-bala?
— Ali é difícil dizer,
irmão das almas,
sempre há uma bala voando
desocupada.
— E o que havia ele feito
irmãos das almas,
e o que havia ele feito
contra a tal pássara?
— Ter um hectares de terra,
irmão das almas,
de pedra e areia lavada
que cultivava.
— Mas que roças que ele tinha,
irmãos das almas
que podia ele plantar
na pedra avara?
— Nos magros lábios de areia,
irmão das almas,
os intervalos das pedras,
plantava palha.
— E era grande sua lavoura,
irmãos das almas,
lavoura de muitas covas,
tão cobiçada?
— Tinha somente dez quadras,
irmão das almas,
todas nos ombros da serra,
nenhuma várzea.
— Mas então por que o mataram,
irmãos das almas,
mas então por que o mataram
com espingarda?
— Queria mais espalhar-se,
irmão das almas,
queria voar mais livre
essa ave-bala.
— E agora o que passará,
irmãos das almas,
o que é que acontecerá
contra a espingarda?
— Mais campo tem para soltar,
irmão das almas,
tem mais onde fazer voar
as filhas-bala.
— E onde o levais a enterrar,
irmãos das almas,
com a semente do chumbo
que tem guardada?
— Ao cemitério de Torres,
irmão das almas,
que hoje se diz Toritama,
de madrugada.
— E poderei ajudar,
irmãos das almas?
vou passar por Toritama,
é minha estrada.
— Bem que poderá ajudar,
irmão das almas,
é irmão das almas quem ouve
nossa chamada.
— E um de nós pode voltar,
irmão das almas,
pode voltar daqui mesmo
para sua casa.
— Vou eu que a viagem é longa,
irmãos das almas,
é muito longa a viagem
e a serra é alta.
— Mais sorte tem o defunto
irmãos das almas,
pois já não fará na volta
a caminhada.
— Toritama não cai longe,
irmãos das almas,
seremos no campo santo
de madrugada.
— Partamos enquanto é noite
irmãos das almas,
que é o melhor lençol dos mortos
noite fechada.


O RETIRANTE TEM MEDO DE SE EXTRAVIAR POR SEU GUIA, O RIO CAPIBARIBE, CORTOU COM O VERÃO



—— Antes de sair de casa
aprendi a ladainha
das vilas que vou passar
na minha longa descida.
Sei que há muitas vilas grandes,
cidades que elas são ditas
sei que há simples arruados,
sei que há vilas pequeninas,
todas formando um rosário
cujas contas fossem vilas,
de que a estrada fosse a linha.
Devo rezar tal rosário
até o mar onde termina,
saltando de conta em conta,
passando de vila em vila.
Vejo agora: não é fácil
seguir essa ladainha
entre uma conta e outra conta,
entre uma e outra ave-maria,
há certas paragens brancas,
de planta e bicho vazias,
vazias até de donos,
e onde o pé se descaminha.
Não desejo emaranhar
o fio de minha linha
nem que se enrede no pêlo
hirsuto desta caatinga.
Pensei que seguindo o rio
eu jamais me perderia:
ele é o caminho mais certo,
de todos o melhor guia.
Mas como segui-lo agora
que interrompeu a descida?
Vejo que o Capibaribe,
como os rios lá de cima,
é tão pobre que nem sempre
pode cumprir sua sina
e no verão também corta,
com pernas que não caminham.
Tenho que saber agora
qual a verdadeira via
entre essas que escancaradas
frente a mim se multiplicam.
Mas não vejo almas aqui,
nem almas mortas nem vivas
ouço somente à distância
o que parece cantoria.
Será novena de santo,
será algum mês-de-Maria
quem sabe até se uma festa
ou uma dança não seria?



NA CASA A QUE O RETIRANTE CHEGA ESTÃO CANTANDO EXCELÊNCIAS PARA UM DEFUNTO, ENQUANTO UM HOMEM, DO LADO DE FORA,
VAI PARODIANDO A PALAVRAS DOS CANTADORES



—— Finado Severino,
quando passares em Jordão
e o demônios te atalharem
perguntando o que é que levas..
—— Dize que levas cera,
capuz e cordão
mais a Virgem da Conceição.
—— Finado Severino,
etc...
—— Dize que levas somente
coisas de não:
fome, sede, privação.
—— Finado Severino,
etc...
—— Dize que coisas de não,
ocas, leves:
como o caixão, que ainda deves.
—— Uma excelência
dizendo que a hora é hora.
—— Ajunta os carregadores
que o corpo quer ir embora.
—— Duas excelências...
—— ... dizendo é a hora da plantação.
—— Ajunta os carreadores...
—— ... que a terra vai colher a mão.




CANSADO DA VIAGEM O RETIRANTE PENSA
INTERROMPÊ-LA POR UNS INSTANTES
E PROCURAR TRABALHO ALI ONDE SE ENCONTRA.



—— Desde que estou retirando
só a morte vejo ativa,
só a morte deparei
e às vezes até festiva
só a morte tem encontrado
quem pensava encontrar vida,
e o pouco que não foi morte
foi de vida severina
(aquela vida que é menos
vivida que defendida,
e é ainda mais severina
para o homem que retira).
Penso agora: mas por que
parar aqui eu não podia
e como Capibaribe
interromper minha linha?
ao menos até que as águas
de uma próxima invernia
me levem direto ao mar
ao refazer sua rotina?
Na verdade, por uns tempos,
parar aqui eu bem podia
e retomar a viagem
quando vencesse a fadiga.
Ou será que aqui cortando
agora minha descida
já não poderei seguir
nunca mais em minha vida?
(será que a água destes poços
é toda aqui consumida
pelas roças, pelos bichos,
pelo sol com suas línguas?
será que quando chegar
o rio da nova invernia
um resto de água no antigo
sobrará nos poços ainda?)
Mas isso depois verei:
tempo há para que decida
primeiro é preciso achar
um trabalho de que viva.
Vejo uma mulher na janela,
ali, que se não é rica,
parece remediada
ou dona de sua vida:
vou saber se de trabalho
poderá me dar notícia.

DIRIGE-SE À MULHER NA JANELA QUE DEPOIS, DESCOBRE TRATAR-SE DE QUEM SE SABERÁ



—— Muito bom dia senhora,
que nessa janela está
sabe dizer se é possível
algum trabalho encontrar?
—— Trabalho aqui nunca falta
a quem sabe trabalhar
o que fazia o compadre
na sua terra de lá?
—— Pois fui sempre lavrador,
lavrador de terra má
não há espécie de terra
que eu não possa cultivar.
—— Isso aqui de nada adianta,
poucos existe o que lavrar
mas diga-me, retirante,
o que mais fazia por lá?
—— Também lá na minha terra
de terra mesmo pouco há
mas até a calva da pedra
sinto-me capaz de arar.
—— Também de pouco adianta,
nem pedra há aqui que amassar
diga-me ainda, compadre,
que mais fazias por lá?
—— Conheço todas as roças
que nesta chã podem dar
o algodão, a mamona,
a pita, o milho, o caroá.
—— Esses roçados o banco
já não quer financiar
mas diga-me, retirante,
o que mais fazia lá?
—— Melhor do que eu ninguém
sei combater, quiçá,
tanta planta de rapina
que tenho visto por cá.
—— Essas plantas de rapina
são tudo o que a terra dá
diga-me ainda, compadre
que mais fazia por lá?
—— Tirei mandioca de chãs
que o vento vive a esfolar
e de outras escalavras
pela seca faca solar.
—— Isto aqui não é Vitória
nem é Glória do Goitá
e além da terra, me diga,
que mais sabe trabalhar?
—— Sei também tratar de gado,
entre urtigas pastorear
gado de comer do chão
ou de comer ramas no ar.
—— Aqui não é Surubim
nem Limoeiro, oxalá!
mas diga-me, retirante,
que mais fazia por lá?
—— Em qualquer das cinco tachas
de um bangüê sei cozinhar
sei cuidar de uma moenda,
de uma casa de purgar.
—— Com a vinda das usinas
há poucos engenhos já
nada mais o retirante
aprendeu a fazer lá?
—— Ali ninguém aprendeu
outro ofício, ou aprenderá
mas o sol, de sol a sol,
bem se aprende a suportar.
—— Mas isso então será tudo
em que sabe trabalhar?
vamos, diga, retirante,
outras coisas saberá.
—— Deseja mesmo saber
o que eu fazia por lá?
comer quando havia o quê
e, havendo ou não, trabalhar.
—— Essa vida por aqui
é coisa familiar
mas diga-me retirante,
sabe benditos rezar?
sabe cantar excelências,
defuntos encomendar?
sabe tirar ladainhas,
sabe mortos enterrar?
—— Já velei muitos defuntos,
na serra é coisa vulgar
mas nunca aprendi as rezas,
sei somente acompanhar.
—— Pois se o compadre soubesse
rezar ou mesmo cantar,
trabalhávamos a meias,
que a freguesia bem dá.
—— Agora se me permite
minha vez de perguntar:
como senhora, comadre,
pode manter o seu lar?
—— Vou explicar rapidamente,
logo compreenderá:
como aqui a morte é tanta,
vivo de a morte ajudar.
—— E ainda se me permite
que volte a perguntar:
é aqui uma profissão
trabalho tão singular?
—— é, sim, uma profissão,
e a melhor de quantas há:
sou de toda a região
rezadora titular.
—— E ainda se me permite
mais outra vez indagar:
é boa essa profissão
em que a comadre ora está?
—— De um raio de muitas léguas
vem gente aqui me chamar
a verdade é que não pude
queixar-me ainda de azar.
—— E se pela última vez
me permite perguntar:
não existe outro trabalho
para mim nesse lugar?
—— Como aqui a morte é tanta,
só é possível trabalhar
nessas profissões que fazem
da morte ofício ou bazar.
Imagine que outra gente
de profissão similar,
farmacêuticos, coveiros,
doutor de anel no anular,
remando contra a corrente
da gente que baixa ao mar,
retirantes às avessas,
sobem do mar para cá.
Só os roçados da morte
compensam aqui cultivar,
e cultivá-los é fácil:
simples questão de plantar
não se precisa de limpa,
as estiagens e as pragas
fazemos mais prosperar
e dão lucro imediato
nem é preciso esperar
pela colheita: recebe-se
na hora mesma de semear.




O RETIRANTE CHEGA À ZONA DA
MATA, QUE O FAZ PENSAR, OUTRA VEZ,
EM INTERROMPER A VIAGEM.



—— Bem me diziam que a terra
se faz mais branda e macia
quando mais do litoral
a viagem se aproxima.
Agora afinal cheguei
nesta terra que diziam.
Como ela é uma terra doce
para os pés e para a vista.
Os rios que correm aqui
têm água vitalícia.
Cacimbas por todo lado
cavando o chão, água mina.
Vejo agora que é verdade
o que pensei ser mentira
Quem sabe se nesta terra
não plantarei minha sina?
Não tenho medo de terra
(cavei pedra toda a vida),
e para quem lutou a braço
contra a piçarra da Caatinga
será fácil amansar
esta aqui, tão feminina.
Mas não avisto ninguém,
só folhas de cana fina
somente ali à distância
aquele bueiro de usina
somente naquela várzea
um bangüê velho em ruína.
Por onde andará a gente
que tantas canas cultiva?
Feriando: que nesta terra
tão fácil, tão doce e rica,
não é preciso trabalhar
todas as horas do dia,
os dias todos do mês,
os meses todos da vida.
Decerto a gente daqui
jamais envelhece aos trinta
nem sabe da morte em vida,
vida em morte, severina
e aquele cemitério ali,
branco de verde colina,
decerto pouco funciona
e poucas covas aninha.




ASSISTE AO ENTERRO DE UM
TRABALHADOR DE EITO E OUVE O QUE
DIZEM DO MORTO OS AMIGOS QUE O
LEVARAM AO CEMITÉRIO



—— Essa cova em que estás,
com palmos medida,
é a cota menor
que tiraste em vida.
—— é de bom tamanho,
nem largo nem fundo,
é a parte que te cabe
neste latifúndio.
—— Não é cova grande.
é cova medida,
é a terra que querias
ver dividida.
—— é uma cova grande
para teu pouco defunto,
mas estarás mais ancho
que estavas no mundo.
—— é uma cova grande
para teu defunto parco,
porém mais que no mundo
te sentirás largo.
—— é uma cova grande
para tua carne pouca,
mas a terra dada
não se abre a boca.


—— Viverás, e para sempre
na terra que aqui aforas:
e terás enfim tua roça.
—— Aí ficarás para sempre,
livre do sol e da chuva,
criando tuas saúvas.
—— Agora trabalharás
só para ti, não a meias,
como antes em terra alheia.
—— Trabalharás uma terra
da qual, além de senhor,
serás homem de eito e trator.
—— Trabalhando nessa terra,
tu sozinho tudo empreitas:
serás semente, adubo, colheita.
—— Trabalharás numa terra
que também te abriga e te veste:
embora com o brim do Nordeste.
—— Será de terra
tua derradeira camisa:
te veste, como nunca em vida.
—— Será de terra
e tua melhor camisa:
te veste e ninguém cobiça.
—— Terás de terra
completo agora o teu fato:
e pela primeira vez, sapato.
—— Como és homem,
a terra te dará chapéu:
fosses mulher, xale ou véu.
—— Tua roupa melhor
será de terra e não de fazenda:
não se rasga nem se remenda.
—— Tua roupa melhor
e te ficará bem cingida:
como roupa feita à medida.


—— Esse chão te é bem conhecido
(bebeu teu suor vendido).
—— Esse chão te é bem conhecido
(bebeu o moço antigo)
—— Esse chão te é bem conhecido
(bebeu tua força de marido).
—— Desse chão és bem conhecido
(através de parentes e amigos).
—— Desse chão és bem conhecido
(vive com tua mulher, teus filhos)
—— Desse chão és bem conhecido
(te espera de recém-nascido).


—— Não tens mais força contigo:
deixa-te semear ao comprido.
—— Já não levas semente viva:
teu corpo é a própria maniva.
—— Não levas rebolo de cana:
és o rebolo, e não de caiana.
—— Não levas semente na mão:
és agora o próprio grão.
—— Já não tens força na perna:
deixa-te semear na coveta.
—— Já não tens força na mão:
deixa-te semear no leirão.


—— Dentro da rede não vinha nada,
só tua espiga debulhada.
—— Dentro da rede vinha tudo,
só tua espiga no sabugo.
—— Dentro da rede coisa vasqueira,
só a maçaroca banguela.
—— Dentro da rede coisa pouca,
tua vida que deu sem soca.


—— Na mão direita um rosário,
milho negro e ressecado.
—— Na mão direita somente
o rosário, seca semente.
—— Na mão direita, de cinza,
o rosário, semente maninha,
—— Na mão direita o rosário,
semente inerte e sem salto.


—— Despido vieste no caixão,
despido também se enterra o grão.
—— De tanto te despiu a privação
que escapou de teu peito à viração.
—— Tanta coisa despiste em vida
que fugiu de teu peito a brisa.
—— E agora, se abre o chão e te abriga,
lençol que não tiveste em vida.
—— Se abre o chão e te fecha,
dando-te agora cama e coberta.
—— Se abre o chão e te envolve,
como mulher com que se dorme.



O RETIRANTE RESOLVE APRESSAR OS
PASSOS PARA CHEGAR LOGO AO RECIFE
—— Nunca esperei muita coisa,
digo a Vossas Senhorias.
O que me fez retirar
não foi a grande cobiça
o que apenas busquei
foi defender minha vida
de tal velhice que chega
antes de se inteirar trinta
se na serra vivi vinte,
se alcancei lá tal medida,
o que pensei, retirando,
foi estendê-la um pouco ainda.
Mas não senti diferença
entre o Agreste e a Caatinga,
e entre a Caatinga e aqui a Mata
a diferença é a mais mínima.
Está apenas em que a terra
é por aqui mais macia
está apenas no pavio,
ou melhor, na lamparina:
pois é igual o querosene
que em toda parte ilumina,
e quer nesta terra gorda
quer na serra, de caliça,
a vida arde sempre com
a mesma chama mortiça.
Agora é que compreendo
por que em paragens tão ricas
o rio não corta em poços
como ele faz na Caatinga:
vivi a fugir dos remansos
a que a paisagem o convida,
com medo de se deter,
grande que seja a fadiga.
Sim, o melhor é apressar
o fim desta ladainha,
o fim do rosário de nomes
que a linha do rio enfia
é chegar logo ao Recife,
derradeira ave-maria
do rosário, derradeira
invocação da ladainha,
Recife, onde o rio some
e esta minha viagem se fina.




CHEGANDO AO RECIFE O
RETIRANTE SENTA-SE PARA DESCANSAR
AO PÉ DE UM MURO ALTO E
CAIADO E OUVE, SEM SER NOTADO,
A CONVERSA DE DOIS COVEIROS


—— O dia hoje está difícil
não sei onde vamos parar.
Deviam dar um aumento,
ao menos aos deste setor de cá.
As avenidas do centro são melhores,
mas são para os protegidos:
há sempre menos trabalho
e gorjetas pelo serviço
e é mais numeroso o pessoal
(toma mais tempo enterrar os ricos).
—— pois eu me daria por contente
se me mandassem para cá.
Se trabalhasses no de Casa Amarela
não estarias a reclamar.
De trabalhar no de Santo Amaro
deve alegrar-se o colega
porque parece que a gente
que se enterra no de Casa Amarela
está decidida a mudar-se
toda para debaixo da terra.
—— é que o colega ainda não viu
o movimento: não é o que se vê.
Fique-se por aí um momento
e não tardarão a aparecer
os defuntos que ainda hoje
vão chegar (ou partir, não sei).
As avenidas do centro,
onde se enterram os ricos,
são como o porto do mar
não é muito ali o serviço:
no máximo um transatlântico
chega ali cada dia,
com muita pompa, protocolo,
e ainda mais cenografia.
Mas este setor de cá
é como a estação dos trens:
diversas vezes por dia
chega o comboio de alguém.
—— Mas se teu setor é comparado
à estação central dos trens,
o que dizer de Casa Amarela
onde não para o vaivém?
Pode ser uma estação
mas não estação de trem:
será parada de ônibus,
com filas de mais de cem.
—— Então por que não pedes,
já que és de carreira, e antigo,
que te mandem para Santo Amaro
se achas mais leve o serviço?
Não creio que te mandassem
para as belas avenidas
onde estão os endereços
e o bairro da gente fina:
isto é, para o bairro dos usineiros,
dos políticos, dos banqueiros,
e no tempo antigo, dos bangunlezeiros
(hoje estes se enterram em carneiros)
bairro também dos industriais,
dos membros das
associações patronais
e dos que foram mais horizontais
nas profissões liberais.
Difícil é que consigas
aquele bairro, logo de saída.
—— Só pedi que me mandasse
para as urbanizações discretas,
com seus quarteirões apertados,
com suas cômodas de pedra.
—— Esse é o bairro dos funcionários,
inclusive extranumerários,
contratados e mensalistas
(menos os tarefeiros e diaristas).
Para lá vão os jornalistas,
os escritores, os artistas
ali vão também os bancários,
as altas patentes dos comerciários,
os lojistas, os boticários,
os localizados aeroviários
e os de profissões liberais
que não se libertaram jamais.
—— Também um bairro dessa gente
temos no de Casa Amarela:
cada um em seu escaninho,
cada um em sua gaveta,
com o nome aberto na lousa
quase sempre em letras pretas.
Raras as letras douradas,
raras também as gorjetas.
—— Gorjetas aqui, também,
só dá mesmo a gente rica,
em cujo bairro não se pode
trabalhar em mangas de camisa
onde se exige quepe
e farda engomada e limpa.
—— Mas não foi pelas gorjetas, não,
que vim pedir remoção:
é porque tem menos trabalho
que quero vir para Santo Amaro
aqui ao menos há mais gente
para atender a freguesia,
para botar a caixa cheia
dentro da caixa vazia.
—— E que disse o Administrador,
se é que te deu ouvido?
—— Que quando apareça a ocasião
atenderá meu pedido.
—— E do senhor Administrador
isso foi tudo que arrancaste?
—— No de Casa Amarela me deixou
mas me mudou de arrabalde.
—— E onde vais trabalhar agora,
qual o subúrbio que te cabe?
—— Passo para o dos industriários,
que também é o dos ferroviários,
de todos os rodoviários
e praças-de-pré dos comerciários.
—— Passas para o dos operário,
deixas o dos pobres vários
melhor: não são tão contagiosos
e são muito menos numerosos.
—— é, deixo o subúrbio dos indigentes
onde se enterra toda essa gente
que o rio afoga na preamar
e sufoca na baixa-mar.
—— é a gente sem instituto,
gente de braços devolutos
são os que jamais usam luto
e se enterram sem salvo-conduto.
—— é a gente dos enterros gratuitos
e dos defuntos ininterruptos.
—— é a gente retirante
que vem do Sertão de longe.
—— Desenrolam todo o barbante
e chegam aqui na jante.
—— E que então, ao chegar,
não tem mais o que esperar.
—— Não podem continuar
pois têm pela frente o mar.
—— Não têm onde trabalhar
e muito menos onde morar.
—— E da maneira em que está
não vão ter onde se enterrar.
—— Eu também, antigamente,
fui do subúrbio dos indigentes,
e uma coisa notei
que jamais entenderei:
essa gente do Sertão
que desce para o litoral, sem razão,
fica vivendo no meio da lama,
comendo os siris que apanha
pois bem: quando sua morte chega,
temos que enterrá-los em terra seca.
—— Na verdade, seria mais rápido
e também muito mais barato
que os sacudissem de qualquer ponte
dentro do rio e da morte.
—— O rio daria a mortalha
e até um macio caixão de água
e também o acompanhamento
que levaria com passo lento
o defunto ao enterro final
a ser feito no mar de sal.
—— E não precisava dinheiro,
e não precisava coveiro,
e não precisava oração
e não precisava inscrição.
—— Mas o que se vê não é isso:
é sempre nosso serviço
crescendo mais cada dia
morre gente que nem vivia.
—— E esse povo de lá de riba
de Pernambuco, da Paraíba,
que vem buscar no Recife
poder morrer de velhice,
encontra só, aqui chegando
cemitério esperando.
—— Não é viagem o que fazem
vindo por essas caatingas, vargens
aí está o seu erro:
vêm é seguindo seu próprio enterro.



O RETIRANTE APROXIMA-SE DE
UM DOS CAIS DO CAPIBARIBE

—— Nunca esperei muita coisa,
é preciso que eu repita.
Sabia que no rosário
de cidade e de vilas,
e mesmo aqui no Recife
ao acabar minha descida,
não seria diferente
a vida de cada dia:
que sempre pás e enxadas
foices de corte e capina,
ferros de cova, estrovengas
o meu braço esperariam.
Mas que se este não mudasse
seu uso de toda vida,
esperei, devo dizer,
que ao menos aumentaria
na quartinha, a água pouca,
dentro da cuia, a farinha,
o algodãozinho da camisa,
ao meu aluguel com a vida.
E chegando, aprendo que,
nessa viagem que eu fazia,
sem saber desde o Sertão,
meu próprio enterro eu seguia.
Só que devo ter chegado
adiantado de uns dias
o enterro espera na porta:
o morto ainda está com vida.
A solução é apressar
a morte a que se decida
e pedir a este rio,
que vem também lá de cima,
que me faça aquele enterro
que o coveiro descrevia:
caixão macio de lama,
mortalha macia e líquida,
coroas de baronesa
junto com flores de aninga,
e aquele acompanhamento
de água que sempre desfila
(que o rio, aqui no Recife,
não seca, vai toda a vida).




APROXIMA-SE DO RETIRANTE O
MORADOR DE UM DOS MOCAMBOS
QUE EXISTEM ENTRE O CAIS
E A ÁGUA DO RIO


—— Seu José, mestre carpina,
que habita este lamaçal,
sabes me dizer se o rio
a esta altura dá vau?
sabe me dizer se é funda
esta água grossa e carnal?
—— Severino, retirante,
jamais o cruzei a nado
quando a maré está cheia
vejo passar muitos barcos,
barcaças, alvarengas,
muitas de grande calado.
—— Seu José, mestre carpina,
para cobrir corpo de homem
não é preciso muito água:
basta que chega o abdome,
basta que tenha fundura
igual à de sua fome.
—— Severino, retirante
pois não sei o que lhe conte
sempre que cruzo este rio
costumo tomar a ponte
quanto ao vazio do estômago,
se cruza quando se come.
—— Seu José, mestre carpina,
e quando ponte não há?
quando os vazios da fome
não se tem com que cruzar?
quando esses rios sem água
são grandes braços de mar?
—— Severino, retirante,
o meu amigo é bem moço
sei que a miséria é mar largo,
não é como qualquer poço:
mas sei que para cruzá-la
vale bem qualquer esforço.
—— Seu José, mestre carpina,
e quando é fundo o perau?
quando a força que morreu
nem tem onde se enterrar,
por que ao puxão das águas
não é melhor se entregar?
—— Severino, retirante,
o mar de nossa conversa
precisa ser combatido,
sempre, de qualquer maneira,
porque senão ele alarga
e devasta a terra inteira.
—— Seu José, mestre carpina,
e em que nos faz diferença
que como frieira se alastre,
ou como rio na cheia,
se acabamos naufragados
num braço do mar miséria?
—— Severino, retirante,
muita diferença faz
entre lutar com as mãos
e abandoná-las para trás,
porque ao menos esse mar
não pode adiantar-se mais.
—— Seu José, mestre carpina,
e que diferença faz
que esse oceano vazio
cresça ou não seus cabedais
se nenhuma ponte mesmo
é de vencê-lo capaz?
—— Seu José, mestre carpina,
que lhe pergunte permita:
há muito no lamaçal
apodrece a sua vida?
e a vida que tem vivido
foi sempre comprada à vista?
—— Severino, retirante,
sou de Nazaré da Mata,
mas tanto lá como aqui
jamais me fiaram nada:
a vida de cada dia
cada dia hei de comprá-la.
—— Seu José, mestre carpina,
e que interesse, me diga,
há nessa vida a retalho
que é cada dia adquirida?
espera poder um dia
comprá-la em grandes partidas?
—— Severino, retirante,
não sei bem o que lhe diga:
não é que espere comprar
em grosso tais partidas,
mas o que compro a retalho
é, de qualquer forma, vida.
—— Seu José, mestre carpina,
que diferença faria
se em vez de continuar
tomasse a melhor saída:
a de saltar, numa noite,
fora da ponte e da vida?



UMA MULHER, DA PORTA DE
ONDE SAIU O HOMEM,
ANUNCIA-LHE O QUE SE VERÁ


—— Compadre José, compadre,
que na relva estais deitado:
conversais e não sabeis
que vosso filho é chegado?
Estais aí conversando
em vossa prosa entretida:
não sabeis que vosso filho
saltou para dentro da vida?
Saltou para dento da vida
ao dar o primeiro grito
e estais aí conversando
pois sabeis que ele é nascido.




APARECEM E SE APROXIMAM DA CASA DO
HOMEM VIZINHOS,
AMIGOS, DUAS CIGANAS, ETC



—— Todo o céu e a terra
lhe cantam louvor.
Foi por ele que a maré
esta noite não baixou.
—— Foi por ele que a maré
fez parar o seu motor:
a lama ficou coberta
e o mau-cheiro não voou.
—— E a alfazema do sargaço,
ácida, desinfetante,
veio varrer nossas ruas
enviada do mar distante.
—— E a língua seca de esponja
que tem o vento terral
veio enxugar a umidade
do encharcado lamaçal.


—— Todo o céu e a terra
lhe cantam louvor
e cada casa se torna
num mocambo sedutor.
—— Cada casebre se torna
no mocambo modelar
que tanto celebram os
sociólogos do lugar.
—— E a banda de maruins
que toda noite se ouvia
por causa dele, esta noite,
creio que não irradia.
—— E este rio de água, cega,
ou baça, de comer terra,
que jamais espelha o céu,
hoje enfeitou-se de estrelas.




COMEÇAM A CHEGAR PESSOAS
TRAZENDO PRESENTES PARA
O RECÉM-NASCIDO
COMEÇAM A CHEGAR PESSOAS TRAZENDO
PRESENTES PARA
O RECÉM-NASCIDO



—— Minha pobreza tal é
que não trago presente grande:
trago para a mãe caranguejos
pescados por esses mangues
mamando leite de lama
conservará nosso sangue.
—— Minha pobreza tal é
que coisa alguma posso ofertar:
somente o leite que tenho
para meu filho amamentar
aqui todos são irmãos,
de leite, de lama, de ar.
—— Minha pobreza tal é
que não tenho presente melhor:
trago este papel de jornal
para lhe servir de cobertor
cobrindo-se assim de letras
vai um dia ser doutor.
—— Minha pobreza tal é
que não tenho presente caro:
como não posso trazer
um olho d'água de Lagoa do Cerro,
trago aqui água de Olinda,
água da bica do Rosário.


—— Minha pobreza tal é
que grande coisa não trago:
trago este canário da terra
que canta sorrindo e de estalo.
—— Minha pobreza tal é
que minha oferta não é rica:
trago daquela bolacha d'água
que só em Paudalho se fabrica.
—— Minha pobreza tal é
que melhor presente não tem:
dou este boneco de barro
de Severino de Tracunhaém.
—— Minha pobreza tal é
que pouco tenho o que dar:
dou da pitu que o pintor Monteiro
fabricava em Gravatá.


—— Trago abacaxi de Goiana
e de todo o Estado rolete de cana.
—— Eis ostras chegadas agora,
apanhadas no cais da Aurora.
—— Eis tamarindos da Jaqueira
e jaca da Tamarineira.
—— Mangabas do Cajueiro
e cajus da Mangabeira.


—— Peixe pescado no Passarinho,
carne de boi dos Peixinhos.
—— Siris apanhados no lamaçal
que já no avesso da rua Imperial.
—— Mangas compradas nos quintais ricos
do Espinheiro e dos Aflitos.
—— Goiamuns dados pela gente pobre
da Avenida Sul e da Avenida Norte.




FALAM AS DUAS CIGANAS QUE HAVIAM
APARECIDO COM OS VIZINHOS



—— Atenção peço, senhores,
para esta breve leitura:
somos ciganas do Egito,
lemos a sorte futura.
Vou dizer todas as coisas
que desde já posso ver
na vida desse menino
acabado de nascer:
aprenderá a engatinhar
por aí, com aratus,
aprenderá a caminhar
na lama, como goiamuns,
e a correr o ensinarão
o anfíbios caranguejos,
pelo que será anfíbio
como a gente daqui mesmo.
Cedo aprenderá a caçar:
primeiro, com as galinhas,
que é catando pelo chão
tudo o que cheira a comida
depois, aprenderá com
outras espécies de bichos:
com os porcos nos monturos,
com os cachorros no lixo.
Vejo-o, uns anos mais tarde,
na ilha do Maruim,
vestido negro de lama,
voltar de pescar siris
e vejo-o, ainda maior,
pelo imenso lamarão
fazendo dos dedos iscas
para pescar camarão.


—— Atenção peço, senhores,
também para minha leitura:
também venho dos Egitos,
vou completar a figura.
Outras coisas que estou vendo
é necessário que eu diga:
não ficará a pescar
de jereré toda a vida.
Minha amiga se esqueceu
de dizer todas as linhas
não pensem que a vida dele
há de ser sempre daninha.
Enxergo daqui a planura
que é a vida do homem de ofício,
bem mais sadia que os mangues,
tenha embora precipícios.
Não o vejo dentro dos mangues,
vejo-o dentro de uma fábrica:
se está negro não é lama,
é graxa de sua máquina,
coisa mais limpa que a lama
do pescador de maré
que vemos aqui vestido
de lama da cara ao pé.
E mais: para que não pensem
que em sua vida tudo é triste,
vejo coisa que o trabalho
talvez até lhe conquiste:
que é mudar-se destes mangues
daqui do Capibaribe
para um mocambo melhor
nos mangues do Beberibe.




FALAM OS VIZINHOS, AMIGOS, PESSOAS QUE
VIERAM COM PRESENTES, ETC



—— De sua formosura
já venho dizer:
é um menino magro,
de muito peso não é,
mas tem o peso de homem,
de obra de ventre de mulher.
—— De sua formosura
deixai-me que diga:
é uma criança pálida,
é uma criança franzina,
mas tem a marca de homem,
marca de humana oficina.
—— Sua formosura
deixai-me que cante:
é um menino guenzo
como todos os desses mangues,
mas a máquina de homem
já bate nele, incessante.
—— Sua formosura
eis aqui descrita:
é uma criança pequena,
enclenque e setemesinha,
mas as mãos que criam coisas
nas suas já se adivinha.


—— De sua formosura
deixai-me que diga:
é belo como o coqueiro
que vence a areia marinha.
—— De sua formosura
deixai-me que diga:
belo como o avelós
contra o Agreste de cinza.
—— De sua formosura
deixai-me que diga:
belo como a palmatória
na caatinga sem saliva.
—— De sua formosura
deixai-me que diga:
é tão belo como um sim
numa sala negativa.


—— é tão belo como a soca
que o canavial multiplica.
—— Belo porque é uma porta
abrindo-se em mais saídas.
—— Belo como a última onda
que o fim do mar sempre adia.
—— é tão belo como as ondas
em sua adição infinita.


—— Belo porque tem do novo
a surpresa e a alegria.
—— Belo como a coisa nova
na prateleira até então vazia.
—— Como qualquer coisa nova
inaugurando o seu dia.
—— Ou como o caderno novo
quando a gente o principia.


—— E belo porque o novo
todo o velho contagia.
—— Belo porque corrompe
com sangue novo a anemia.
—— Infecciona a miséria
com vida nova e sadia.
—— Com oásis, o deserto,
com ventos, a calmaria.




O CARPINA FALA COM O RETIRANTE QUE
ESTEVE DE FORA,
SEM TOMAR PARTE DE NADA



—— Severino, retirante,
deixe agora que lhe diga:
eu não sei bem a resposta
da pergunta que fazia,
se não vale mais saltar
fora da ponte e da vida
nem conheço essa resposta,
se quer mesmo que lhe diga
é difícil defender,
só com palavras, a vida,
ainda mais quando ela é
esta que vê, severina
mas se responder não pude
à pergunta que fazia,
ela, a vida, a respondeu
com sua presença viva.


E não há melhor resposta
que o espetáculo da vida:
vê-la desfiar seu fio,
que também se chama vida,
ver a fábrica que ela mesma,
teimosamente, se fabrica,
vê-la brotar como há pouco
em nova vida explodida
mesmo quando é assim pequena
a explosão, como a ocorrida
como a de há pouco, franzina
mesmo quando é a explosão
de uma vida severina.
Fim

domingo, 4 de abril de 2010

Do mundo virtual ao espiritual

Por Frei Beto

Ao viajar pelo Oriente, mantive contatos com monges do Tibete, da Mongólia, do Japão e da China. Eram homens serenos, comedidos, recolhidos em paz em seus mantos cor de açafrão. Outro dia, eu observava o movimento do aeroporto de São Paulo: a sala de espera cheia de executivos com telefones celulares, preocupados, ansiosos, geralmente comendo mais do que deviam. Com certeza, já haviam tomado café da manhã em casa, mas como a companhia aérea oferecia um outro café, todos comiam vorazmente. Aquilo me fez refletir: "Qual dos dois modelos produz felicidade?"

Encontrei Daniela, 10 anos, no elevador, às nove da manhã, e perguntei: "Não foi à aula?" Ela respondeu: "Não, tenho aula à tarde". Comemorei: "Que bom, então de manhã você pode brincar, dormir até mais tarde". "Não", retrucou ela, "tenho tanta coisa de manhã..." "Que tanta coisa?", perguntei. "Aulas de inglês, de balé, de pintura, piscina", e começou a elencar seu programa de garota robotizada. Fiquei pensando: "Que pena, a Daniela não disse: "Tenho aula de meditação!"

Estamos construindo super-homens e supermulheres, totalmente equipados, mas emocionalmente infantilizados. Por isso as empresas consideram agora que, mais importante que o QI, é a IE, a Inteligência Emocional. Não adianta ser um superexecutivo se não se consegue se relacionar com as pessoas. Ora, como seria importante os currículos escolares incluírem aulas de meditação!

Uma progressista cidade do interior de São Paulo tinha, em 1960, seis livrarias e uma academia de ginástica; hoje, tem sessenta academias de ginástica e três livrarias! Não tenho nada contra malhar o corpo, mas me preocupo com a desproporção em relação à malhação do espírito. Acho ótimo, vamos todos morrer esbeltos: "Como estava o defunto?". "Olha, uma maravilha, não tinha uma celulite!" Mas como fica a questão da subjetividade? Da espiritualidade? Da ociosidade amorosa?

Outrora, falava-se em realidade: análise da realidade, inserir-se na realidade, conhecer a realidade. Hoje, a palavra é virtualidade. Tudo é virtual. Pode-se fazer sexo virtual pela internet: não se pega aids, não há envolvimento emocional, controla-se no mouse. Trancado em seu quarto, em Brasília, um homem pode ter uma amiga íntima em Tóquio, sem nenhuma preocupação de conhecer o seu vizinho de prédio ou de quadra! Tudo é virtual, entramos na virtualidade de todos os valores, não há compromisso com o real! É muito grave esse processo de abstração da linguagem, de sentimentos: somos místicos virtuais, religiosos virtuais, cidadãos virtuais. Enquanto isso, a realidade vai por outro lado, pois somos também eticamente virtuais…

A cultura começa onde a natureza termina. Cultura é o refinamento do espírito. Televisão, no Brasil - com raras e honrosas exceções -, é um problema: a cada semana que passa, temos a sensação de que ficamos um pouco menos cultos. A palavra hoje é ‘entretenimento’; domingo, então, é o dia nacional da imbecilização coletiva. Imbecil o apresentador, imbecil quem vai lá e se apresenta no palco, imbecil quem perde a tarde diante da tela. Como a publicidade não consegue vender felicidade, passa a ilusão de que felicidade é o resultado da soma de prazeres: "Se tomar este refrigerante, vestir este tênis, usar esta camisa, comprar este carro, você chega lá!" O problema é que, em geral, não se chega! Quem cede desenvolve de tal maneira o desejo, que acaba precisando de um analista. Ou de remédios. Quem resiste, aumenta a neurose.

Os psicanalistas tentam descobrir o que fazer com o desejo dos seus pacientes. Colocá-los onde? Eu, que não sou da área, posso me dar o direito de apresentar uma sugestão. Acho que só há uma saída: virar o desejo para dentro. Porque, para fora, ele não tem aonde ir! O grande desafio é virar o desejo para dentro, gostar de si mesmo, começar a ver o quanto é bom ser livre de todo esse condicionamento globalizante, neoliberal, consumista. Assim, pode-se viver melhor. Aliás, para uma boa saúde mental três requisitos são indispensáveis: amizades, auto-estima, ausência de estresse.

Há uma lógica religiosa no consumismo pós-moderno. Se alguém vai à Europa e visita uma pequena cidade onde há uma catedral, deve procurar saber a história daquela cidade - a catedral é o sinal de que ela tem história. Na Idade Média, as cidades adquiriam status construindo uma catedral; hoje, no Brasil, constrói-se um shopping center. É curioso: a maioria dos shopping centers tem linhas arquitetônicas de catedrais estilizadas; neles não se pode ir de qualquer maneira, é preciso vestir roupa de missa de domingos. E ali dentro sente-se uma sensação paradisíaca: não há mendigos, crianças de rua, sujeira pelas calçadas...

Entra-se naqueles claustros ao som do gregoriano pós-moderno, aquela musiquinha de esperar dentista. Observam-se os vários nichos, todas aquelas capelas com os veneráveis objetos de consumo, acolitados por belas sacerdotisas. Quem pode comprar à vista, sente-se no reino dos céus. Se deve passar cheque pré-datado, pagar a crédito, entrar no cheque especial, sente-se no purgatório. Mas se não pode comprar, certamente vai se sentir no inferno... Felizmente, terminam todos na eucaristia pós-moderna, irmanados na mesma mesa, com o mesmo suco e o mesmo hambúrguer do McDonald’s…

Costumo advertir os balconistas que me cercam à porta das lojas: "Estou apenas fazendo um passeio socrático." Diante de seus olhares espantados, explico: "Sócrates, filósofo grego, também gostava de descansar a cabeça percorrendo o centro comercial de Atenas. Quando vendedores como vocês o assediavam, ele respondia: "Estou apenas observando quanta coisa existe de que não preciso para ser feliz."

quarta-feira, 3 de março de 2010

CONSTRUINDO UM MUNDO COMUM

“o silêncio político de um indivíduo ou de uma comunidade no pensamento arendtiano, representa, portanto, muito mais do que o encolhimento de suas liberdades e de seus movimentos. Representa uma perda para o mundo, na medida em que se retira dele parte das distâncias entre os seres humanos, distâncias que o compõem” (Gabriel de Sanctis Feltran)


O dia 1° até a madrugada do dia 2 de março de 2010 foi um momento histórico para o povo sarandiense e quiçá para a política desta região. Finalmente a justiça não esbarrou na impunidade e no privatismo que a classe dominante Sarandiense exerceu nesta cidade durante anos. De fato, por volta das 9h30 da manhã do dia 1°, depois de muita tensão deu inicio a sessão pública na câmara dos vereadores com o objetivo de votar a cassação do então prefeito Milton Martini (PP). Entretanto a agonia ainda perduraria por mais de vinte horas. A defesa do ex-prefeito requereu junto aos vereadores a leitura do processo de mais de quinhentas páginas relatando todos os trabalhos da comissão processante. Enfim, após a cansativa e longa leitura, deu-se enfim a votação aberta dos vereadores e, por unanimidade, Martini teve o seu mandato cassado pela câmara dos vereadores do Município de Sarandi.

Finalmente o povo desta cidade viu justiça sendo feita, diz o senso comum. Viu? por acaso o povo apenas viu justiça sendo feita? Quando o povo permanece em sua privacidade, e se exclui da esfera pública não há construção de algo novo, mas o poder permanece nas mãos de uma elite dominante, conservadora e criminosa. De fato, ao se exilar da esfera pública, há, conseqüentemente o exílio da democracia, e portanto, eliminamos os espaços compartilhados de entendimento da vida, os espaços públicos, suprimindo a possibilidade de construir um mundo comum. Como afirma Hannah Arendt é no espaço público em que o cidadão se torna igual aos seus pares, e por isso pode manifestar suas diferenças e especifidades, e nesta esfera tem a condição de reivindicar seus direitos, inclusive o direito a ter direitos. De fato, “Hannah Arendt trabalha com a noção de espaço público como forma de habitar o mundo, e com a idéia de contingencia política. Esta pode aparecer a qualquer momento, a despeito de ser rara, das mais diferentes situações, e faz pensar sobre um mundo ampliado, comum” (FELTRAN, 2005, p.99), então o povo não viu, isto é assistiu passivamente, o povo fez a justiça acontecer, a população foi a esfera pública e reivindicou seus direitos, construiu algo novo. É importante ressaltar que não pretendo um conclusão peremptória, mas indicar a importante, talvez decisiva, atuação popular neste processo.

Penso que o processo de cassação do prefeito Milton Martini passa por esta análise. Ao se afastar do espaço público a população perde a capacidade de discernir entre o certo e o errado, entre o bem e mal e acaba se tornando suscetível de manipulação e compactuação omissa (ou subbimssa?) com a exploração e expropriação do direito aos direitos humanos. Neste estado permaneceu a população de Sarandi por muito tempo, abaixando a cabeça para governos corruptos como o do senhor Milton Martini. Entretanto, ao ir as ruas, ao se colocar em condição de debate, de reivindicação, e posicionar contundentemente contra esta realidade, algo novo surgiu na história de Sarandi, e pela primeira vez na historia tivemos um prefeito cassado por corrupção neste município.

Portanto, para a autora, ir ao espaço público, falar, expressar sua opinião através da linguagem é uma ação fundadora de uma nova sociedade, é construir um mundo comum, onde se constrói o consenso, através do debate, e como afirma Feltran “O consenso que não se funda no debate, mas previamente a ele, exclui”. Portanto, precisamos dar continuidade a este processo na cidade de Sarandi, sob o risco da violência política retornar, caso abandonemos a esfera pública. No dia 1° de março de 2010 o povo Sarandiense deu o primeiro passo em direção a este mundo comum, entretanto não podemos voltar a nossa intimidade (o que é muito salutar para a vida privada), precisamos permanecer e a avançar nas reivindicações de nossos direitos e na construção de uma democracia forte, participava e justa, livre de corrupção e da violência de qualquer tipo. Neste sentido, a importância do 1° de março não se limita a demissão de um prefeito, mas a consolidação de um processo de luta, de denuncia, de ir pras ruas e debater a construção do mundo público novo e compartilhado.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Zuzu Angel - Angelica




Angélica
Chico Buarque
Composição: Miltinho/Chico Buarque


Quem é essa mulher
Que canta sempre esse estribilho?

Só queria embalar meu filho
Que mora na escuridão do mar

Quem é essa mulher
Que canta sempre esse lamento?

Só queria lembrar o tormento
Que fez o meu filho suspirar

Quem é essa mulher
Que canta sempre o mesmo arranjo?

Só queria agasalhar meu anjo
E deixar seu corpo descansar

Quem é essa mulher
Que canta como dobra um sino?

Queria cantar por meu menino
Que ele já não pode mais cantar

Quem é essa mulher
Que canta sempre esse estribilho?

Só queria embalar meu filho
Que mora na escuridão do mar

Pensar - Rubem Alves

Quando eu era menino, na escola as professoras me ensinaram que o Brasil estava destinado a um futuro grandioso porque as suas terras estavam cheias de riquezas: ferro, ouro, diamantes, florestas e coisas semelhantes. Ensinaram errado. O que me disseram equivale a predizer que um homem será um grande pintor por ser dono de uma loja de tintas. Mas o que faz um quadro não é a tinta: são as idéias que moram na cabeça do pintor. São as idéias dançantes na cabeça que fazem as tintas dançar sobre a tela.

Por isso, sendo um país tão rico, somos um povo tão pobre, somos pobres em idéias. Não sabemos pensar. Nisto nos parecemos com os dinossauros, que tinham excesso de massa muscular e cérebros de galinha. Hoje nas relações de troca entre os países, o bem mais caro, o bem mais cuidadosamente guardado, o bem que não se vende, são as idéias. É com as idéias que o mundo é feito. Prova disso são os tigres asiáticos, Japão, Coréia, Formosa, que pobres de recursos naturais, se enriqueceram por ter se especializado na arte de pensar.

Minha filha me fez uma pergunta: “O que é pensar?”. Disse-me que esta era uma pergunta que o professor de filosofia havia imposto à classe. Pelo que lhe dou os parabéns. Primeiro, por ter ido diretamente à questão essencial. Segundo, por ter tido a sabedoria de fazer a pergunta, sem dar a resposta. Porque se tivesse dado a resposta, teria com ela cortado as asas do pensamento. O pensamento é como a águia que só alça vôo nos espaços vazios do desconhecido. Pensar é voar sobre o que não se sabe.Não existe nada mais fatal para o pensamento que o ensino das respostas certas. Para isso existem as escolas: não para ensinar as respostas, mas para ensinar as perguntas. As respostas nos permitem andar sobre a terra firme. Mas somente as perguntas nos permitem entrar pelo mar desconhecido.
E, no entanto, não podemos viver sem respostas. As asas, para o impulso inicial do vôo, dependem dos pés apoiados na terra firme. Os pássaros, antes de saber voar, aprendem a se apoiar sobre os seus pés. Também as crianças, antes de aprender a voar têm de aprender a caminhar sobre a terra firme.

Terra firme: as milhares de perguntas para as quais as gerações passadas já descobriram as respostas. O primeiro momento da educação é a transmissão desse saber. Nas palavras de Roland Barthes: “Há um momento em que se ensina o que se sabe…” E o curioso é que este aprendizado é justamente para nos poupar da necessidade de pensar.
As gerações mais velhas ensinam às mais novas as receitas que funcionam. Sei amarrar os meus sapatos, automaticamente, sei dar o nó na minha gravata automaticamente: as mãos fazem o trabalho com destreza enquanto as idéias andam por outros lugares. Aquilo que um dia eu não sabia me foi ensinado; eu aprendi com o corpo e esqueci com a cabeça. E a condição para que as minhas mãos saibam bem é que a cabeça não pense sobre o que elas estão fazendo. Um pianista que, na hora da execução, pensa sobre os caminhos que seus dedos deverão seguir, tropeçará fatalmente. Há a história de uma centopéia que andava feliz pelo jardim, quando foi interpelada por um grilo: “Dona centopéia, sempre tive a curiosidade sobre uma coisa: quando a senhora anda, qual, dentre as suas cem pernas, é aquela que a senhora movimenta primeiro?”. “Curioso”, ela respondeu. “Sempre andei, mas nunca me propus esta questão. Da próxima vez, prestarei atenção”. Termina a história dizendo que a centopéia nunca mais voltou a andar.

Todo mundo fala, e fala bem. Ninguém sabe como a linguagem foi ensinada e nem como ela foi aprendida. A despeito disso, o ensino foi tão eficiente que não preciso pensar em falar. Ao falar, não sei se estou usando um substantivo, um verbo ou um adjetivo, e nem me lembro das regras da gramática. Quem, para falar, tem que se lembrar dessas coisas, não sabe falar. Há um nível de aprendizado em que o pensamento é um estorvo. Só se sabe bem com o corpo aquilo que a cabeça esqueceu. E assim escrevemos, lemos, andamos de bicicleta, nadamos, pregamos prego, guiamos carros: sem saber com a cabeça, porque o corpo sabe melhor. É um conhecimento que se tornou parte inconsciente de mim mesmo. E isso me poupa do trabalho de pensar o já sabido. Ensinar, aqui, é inconscientizar.

O sabido é o não pensado, que fica guardado, pronto para ser usado como receita, na memória deste computador que se chama cérebro. Basta apertar a tecla adequada para que a receita apareça no vídeo da consciência. Aperto a tecla moqueca. A receita aparecerá no meu vídeo cerebral: panela de barro, azeite, peixe, tomate, cebola, coentro, cheiro-verde, urucum, sal, pimenta, seguidos de uma série de instruções sobre o que fazer.

Não é coisa que eu tenha inventado. Me foi ensinado. Não precisei pensar. Gostei. Foi para a memória. Esta é a regra fundamental desse computador que vive no corpo humano: só vai para a memória aquilo que é objeto do desejo. A tarefa primordial do professor: seduzir o aluno para que ele deseje e, desejando, aprenda.

E o saber fica memorizado de cor – etimologicamente, no coração -, à espera de que o teclado desejo de novo o chame de seu lugar de esquecimento.

Memória: um saber que o passado sedimentou. Indispensável para se repetir as receitas que os mortos nos legaram. E elas são boas. Tão boas que nos fazem esquecer que é preciso voar. Permitem que andemos pelas trilhas batidas. Mas nada têm a dizer sobre os mares desconhecidos. Muitas pessoas, de tanto repetir as receitas, metamorfosearam-se de águias em tartarugas. E não são poucas as tartarugas que possuem diplomas universitários.Aqui se encontra o perigo das escolas: de tanto ensinar o que o passado legou – e ensinou bem – fazem os alunos se esquecer de que o seu destino não é passado cristalizado em saber, mas um futuro que se abre como vazio, um não-saber que somente pode ser explorado com as asas do pensamento. Compreende-se então, que Barthes tenha dito que, seguindo-se ao tempo em que se ensina o que se sabe, deve chegar o tempo em que se ensina o que não se sabe.

Os Grifos São Meus

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

DISCURSO DO EMBAIXADOR MEXICANO NA CONFERÊNCIA DE CHEFE DE ESTADO DA UNIÃO EUROPÉIA – MERCOSUL E CARIBE, EM MADRI.

Um discurso feito pelo embaixador Guaicaípuro Cuatemoc, de ascendência indígena, sobre o pagamento da dívida externa do seu país, o México, embasbacou os principais chefes de Estado da Comunidade Européia.

A conferência dos chefes de Estado da União Européia, Mercosul e Caribe, em Madri, viveu um momento revelador e surpreendente: os chefes de Estado europeus ouviram perplexos e calados um discurso irônico, cáustico e de exatidão histórica que lhes fez Guaicaípuro Cuatemoc.
Eis o discurso:

“Aqui estou eu,descendente dos que povoaram a América há 40 mil anos, para encontrar os que a”descobriram” só há 500 anos.. O irmão europeu da aduana me pediu um papel escrito, um visto, para poder descobrir os que me descobriram. O irmão financista europeu me pede o pagamento - ao meu país- ,com juros, de uma dívida contraída por Judas, a quem nunca autorizei que me vendesse. Outro irmão europeu me explica que toda dívida se paga com juros, mesmo que para isso sejam vendidos seres humanos e países inteiros sem pedir-lhes consentimento. Eu também posso reclamar pagamento e juros. Consta no “Arquivo da Cia. das Índias Ocidentais” que, somente entre os anos 1503 e 1660, chegaram a São Lucas de Barrameda 185 mil quilos de ouro e 16 milhões de quilos de prata provenientes da América.

Teria sido isso um saque? Não acredito,porque seria pensar que os irmãos cristãos faltaram ao sétimo mandamento!

Teria sido espoliação? Guarda-me Tanatzin de me convencer que os europeus, como Caim, matam e negam o sangue do irmão.

Teria sido genocídio? Isso seria dar crédito aos caluniadores, como Bartolomeu de Las Casas ou Arturo Uslar Pietri,que afirmam que a arrancada do capitalismo e a atual civilização européia se devem à inundação de metais preciosos tirados das Américas.

Não, esses 185 mil quilos de ouro e 16 milhões de quilos de prata foram o primeiro de tantos empréstimos amigáveis da América destinados ao desenvolvimento da Europa. O contrário disso seria presumir a existência de crimes de guerra, o que daria direito a exigir não apenas a devolução, mas indenização por perdas e danos.
Prefiro pensar na hipótese menos ofensiva.

Tão fabulosa exportação de capitais não foi mais do que o início de um plano “MARSHALL MONTEZUMA”, para garantir a reconstrução da Europa arruinada por suas deploráveis guerras contra os muçulmanos,criadores da álgebra e de outras conquistas da civilização.

Para celebrar o quinto centenário desse empréstimo, podemos perguntar: Os irmãos europeus fizeram uso racional responsável ou pelo menos produtivo desses fundos?
Não. No aspecto estratégico, dilapidaram nas batalhas de Lepanto, em navios invencíveis, em terceiros reichs e várias formas de extermínio mútuo.

No aspecto financeiro, foram incapazes, depois de uma moratória de 500 anos, tanto de amortizar o capital e seus juros quanto independerem das rendas líquidas, das matérias-primas e da energia barata que lhes exporta e provê todo o Terceiro Mundo.

Este quadro corrobora a afirmação de Milton Friedman, segundo a qual uma economia subsidiada jamais pode funcionar e nos obriga a reclamar-lhes, para seu próprio bem, o pagamento do capital e dos juros que, tão generosamente, temos demorado todos estes séculos em cobrar. Ao dizer isto, esclarecemos que não nos rebaixaremos a cobrar de nossos irmãos europeus, as mesmas vis e sanguinárias taxas de 20% e até 30% de juros ao ano que os irmãos europeus cobram dos povos do Terceiro Mundo.

Nos limitaremos a exigir a devolução dos metais preciosos, acrescida de um módico juro de 10%, acumulado apenas durante os últimos 300 anos, com 200 anos de graça. Sobre esta base e aplicando a fórmula européia de juros compostos, informamos aos descobridores que eles nos devem 185 mil quilos de ouro e 16 milhões de quilos de prata, ambas as cifras elevadas à potência de 300, isso quer dizer um número para cuja expressão total será necessário expandir o planeta Terra.

Muito peso em ouro e prata… quanto pesariam se calculados em sangue?

Admitir que a Europa, em meio milênio, não conseguiu gerar riquezas suficientes para esses módicos juros, seria como admitir seu absoluto fracasso financeiro e a demência e irracionalidade dos conceitos capitalistas.

Tais questões metafísicas, desde já, não inquietam a nós, índios da América. Porém, exigimos assinatura de uma carta de intenções que enquadre os povos devedores do Velho Continente e que os obriguem a cumpri-la, sob pena de uma privatização ou conversão da Europa, de forma que lhes permitam entregar suas terras, como primeira prestação de dívida histórica…”

Quando terminou seu discurso diante dos chefes de Estado da Comunidade Européia, Guaicaípuro Guatemoc não sabia que estava expondo uma tese de Direito Internacional para determinar a verdadeira Dívida Externa.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

"Big Brother Brasil, um programa imbecil"



O educador Antônio Barreto, um dos maiores cordelistas da Bahia, acaba de retornar ao Brasil com os versos mais afiados que nunca depois da polêmica causada com o cordel "Caetano Veloso: um sujeito alfabetizado, deselegante e preconceituoso".

Desta vez o alvo é o anacrônico programa BBB-10 da TV Globo. Nesse novo cordel intitulado


"Big Brother Brasil, um programa imbecil"

Curtir o Pedro Bial
E sentir tanta alegria
É sinal de que você
O mau-gosto aprecia
Dá valor ao que é banal
É preguiçoso mental
E adora baixaria.

Há muito tempo não vejo
Um programa tão 'fuleiro'
Produzido pela Globo
Visando Ibope e dinheiro
Que além de alienar
Vai por certo atrofiar
A mente do brasileiro.

Me refiro ao brasileiro
Que está em formação
E precisa evoluir
Através da Educação
Mas se torna um refém
Iletrado, 'zé-ninguém'
Um escravo da ilusão.

Em frente à televisão
Lá está toda a família
Longe da realidade
Onde a bobagem fervilha
Não sabendo essa gente
Desprovida e inocente
Desta enorme 'armadilha'.

Cuidado, Pedro Bial
Chega de esculhambação
Respeite o trabalhador
Dessa sofrida Nação
Deixe de chamar de heróis
Essas girls e esses boys
Que têm cara de bundão.

O seu pai e a sua mãe,
Querido Pedro Bial,
São verdadeiros heróis
E merecem nosso aval
Pois tiveram que lutar
Pra manter e te educar
Com esforço especial.

Muitos já se sentem mal
Com seu discurso vazio.
Pessoas inteligentes
Se enchem de calafrio
Porque quando você fala
A sua palavra é bala
A ferir o nosso brio.

Um país como Brasil
Carente de educação
Precisa de gente grande
Para dar boa lição
Mas você na rede Globo
Faz esse papel de bobo
Enganando a Nação.

Respeite, Pedro Bienal
Nosso povo brasileiro
Que acorda de madrugada
E trabalha o dia inteiro
Dar muito duro, anda rouco
Paga impostos, ganha pouco:
Povo HERÓI, povo guerreiro.

Enquanto a sociedade
Neste momento atual
Se preocupa com a crise
Econômica e social
Você precisa entender
Que queremos aprender
Algo sério - não banal.

Esse programa da Globo
Vem nos mostrar sem engano
Que tudo que ali ocorre
Parece um zoológico humano
Onde impera a esperteza
A malandragem, a baixeza:
Um cenário sub-humano.

A moral e a inteligência
Não são mais valorizadas.
Os "heróis" protagonizam
Um mundo de palhaçadas
Sem critério e sem ética
Em que vaidade e estética
São muito mais que louvadas.

Não se vê força poética
Nem projeto educativo.
Um mar de vulgaridade
Já tornou-se imperativo.
O que se vê realmente
É um programa deprimente
Sem nenhum objetivo.

Talvez haja objetivo
"professor", Pedro Bial
O que vocês tão querendo
É injetar o banal
Deseducando o Brasil
Nesse Big Brother vil
De lavagem cerebral.

Isso é um desserviço
Mal exemplo à juventude
Que precisa de esperança
Educação e atitude
Porém a mediocridade
Unida à banalidade
Faz com que ninguém estude.

É grande o constrangimento
De pessoas confinadas
Num espaço luxuoso
Curtindo todas baladas:
Corpos "belos" na piscina
A gastar adrenalina:
Nesse mar de palhaçadas.

Se a intenção da Globo
É de nos "emburrecer"
Deixando o povo demente
Refém do seu poder:
Pois saiba que a exceção
(Amantes da educação)
Vai contestar a valer.

A você, Pedro Bial
Um mercador da ilusão
Junto a poderosa Globo
Que conduz nossa Nação
Eu lhe peço esse favor:
Reflita no seu labor
E escute seu coração.

E vocês caros irmãos
Que estão nessa cegueira
Não façam mais ligações
Apoiando essa besteira.
Não deem sua grana à Globo
Isso é papel de bobo:
Fujam dessa baboseira.

E quando chegar ao fim
Desse Big Brother vil
Que em nada contribui
Para o povo varonil
Ninguém vai sentir saudade:
Quem lucra é a sociedade
Do nosso querido Brasil.

E saiba, caro leitor
Que nós somos os culpados
Porque sai do nosso bolso
Esses milhões desejados
Que são ligações diárias
Bastante desnecessárias
Pra esses desocupados.

A loja do BBB
Vendendo só porcaria
Enganando muita gente
Que logo se contagia
Com tanta futilidade
Um mar de vulgaridade
Que nunca terá valia.

Chega de vulgaridade
E apelo sexual.
Não somos só futebol,
baixaria e carnaval.
Queremos Educação
E também evolução
No mundo espiritual.

Cadê a cidadania
Dos nossos educadores
Dos alunos, dos políticos
Poetas, trabalhadores?
Seremos sempre enganados
e vamos ficar calados
diante de enganadores?

Barreto termina assim
Alertando ao Bial:
Reveja logo esse equívoco
Reaja à força do mal...
Eleve o seu coração
Tomando uma decisão
Ou então: siga, animal...

FIM

Salvador, 16 de janeiro de 2010.

* * *

Antonio Barreto nasceu nas caatingas do sertão baiano, Santa Bárbara, na Bahia.
É autor de um dos mais recentes e estrondosos sucessos da Internet, o cordel Caetano Veloso: um sujeito alfabetizado, deselegante e preconceituoso.
Professor, poeta e cordelista. Amante da cultura popular, dos livros, da natureza, da poesia e das pessoas que vieram ao Planeta Azul para evoluir espiritualmente.
Graduado em Letras Vernáculas e pós graduado em Psicopedagogia e Literatura Brasileira.
Seu terceiro livro de poemas, Flores de Umburana, foi publicado em dezembro de 2006 pelo Selo Letras da Bahia.
Possui incontáveis trabalhos em jornais, revistas e antologias, com mais de 100 folhetos de cordel publicados sobre temas ligados à Educação, problemas sociais, futebol, humor e pesquisa, além de vários títulos ainda inéditos.
Antonio Barreto também compõe músicas na temática regional: toadas, xotes e baiões.



Fonte: http://cachacaaraci.wordpress.com/2010/01/16/o-cordel-do-big-brother-brasil-um-programa-imbecil/

sábado, 9 de janeiro de 2010

Contra fotos (e Fatos) não há argumentos

Este vídeo que segue mostra claramente como a Igreja Católica foi cúmplice das classes opressores na história recente, a começar pelo Nazi-fascismo, e por conseqüência o holocausto, que dizimou 6 milhões de Judeus, A 'santa Igreja' também foi cúmplice diversos regimes totalitários, inclusive das diversas ditaduras latino-americanas, vale ressaltar que os últimos Papas não apenas souberam de tudo, como participaram deste processo (Hoje vários deles são 'santos'). Certamente, se cristo, com seu evangelho libertador, retornasse provavelmente seria perseguido e massacrado por esta instituição, afinal Jesus Cristo trouxe uma mensagem que leva necessariamente ao socialismo, repudiado pela Igreja, que, neste caso teria, que partilhar todas suas propriedades e riquezas.

Interessante, que de certa forma esta perseguição a Cristo ocorreu na figura de Bispos e Padres que rejeitaram a doutrina do vaticano, e lutaram em favor dos oprimidos. Quando a teologia da libertação prosperava na America Latina, respaldando amplamente o movimento de resistência as ditaduras daqui. O Vaticano repreendeu severamente esta linha de pensamento que busca suas fontes nas bem-aventuranças. Na época Joseph Ratzinger, hoje Papa Bento XVI, foi um dos protagonistas da censura aplicada a teologia da libertação. Na atualidade, é raro ver Padres que se envolvam com movimentos sociais, e quando se envolvem são criticados pelos parceiros de presbítério, e os bispos, por sua vez, são escolhidos a dedo, de modo que nenhum deles esteja ligado ao perigo vermelho, me pergunto se tais atitudes estão fundadas no evangelho de Jesus?

Respeito o povo católico, inclusive tenho laços estreitos com o catolicismo popular, mas não podemos deixar de mostrar estes horrores, se ainda desejamos um mundo melhor. Não podemos ocultar os massacres em massa e os privilégios de uma elite sacerdotal que é sustentada pelo povo simples e inocente. Até porque este povo um dia pode cair nas garras de pessoas como as que são apontadas no vídeo que segue.