A presença da Sociologia no Ensino Médio nunca foi algo pacífico ou consensual. Em sua trajetória a Sociologia foi inserida ou excluída dos currículos deste nível educacional em diversos momentos, ao sabor do governante da época. Com a abertura política pós-ditadura militar e a conseqüente redemocratização, os sociólogos passaram a lutar para que a Sociologia fosse aceita definitivamente na grade curricular do Ensino Médio.
Fruto de lutas, avanços e retrocessos, e muita mobilização, finalmente em 2008 a obrigatoriedade desta disciplina nas três séries do Ensino Médio foi estabelecida através da alteração do art. 36 da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996. O novo texto determina não mais que estudante apresente conhecimentos de Sociologia ao término do Ensino Médio, mas que esta disciplina seja lecionada em todos os anos de tal curso.
No entanto, a prescrição legal não foi suficiente para que a Sociologia fosse respeitada por todos como uma disciplina fundamental para a formação das novas gerações. No Estado do Paraná, desde que voltou a ser ensinada, a cada ano, os licenciados em Sociologia enfrentam árduas batalhas para assumirem estas aulas. Impera nos setores administrativos e nas escolas paranaenses a crença de que qualquer graduado, de qualquer área, pode lecionar Sociologia, assim como a sua irmã mais velha, a Filosofia.
Desde a publicação da LDB de 1996 sabe-se que o estudante do Ensino Médio, ao concluir este curso, deve apresentar domínio de conhecimentos filosóficos e sociológicos. Contudo, o texto da lei não especifica como este conhecimento deve ser ensinado. Deste modo, num primeiro momento estes saberes foram incorporados em outras disciplinas ou tratados como conteúdos transversais e depois passaram a ser ensinados em disciplinas específicas, mas em apenas uma série do Ensino Médio. Somente a partir deste ano, 2011, por determinação legal, a Sociologia – assim como a Filosofia – passou a ser ensinada nas três séries do Ensino Médio no Estado do Paraná, cumprindo o decreto presidencial supracitado.
Contudo, o Estado parece ter pouca clareza sobre quem é capacitado a ensinar Sociologia. Nos primeiros anos em que essa foi ensinada no Paraná, foi comum professores de qualquer área lecionando-a. Em muitos casos, graduandos em Ciências sociais iam para as escolas fazer o estágio supervisionado, mas chegando às salas de aula assustavam-se ao saber que o professor que ia orientá-los no estágio era formado em matemática, química ou letras. Não raro estes professores se recusaram a receber o estágio em suas salas de aula. Para evitar deslocamento para outras escolas estes professores assumiam as aulas de Sociologia e passavam a (não?) ensiná-las aos estudantes dessas escolas.
Indignados com esta situação, profissionais licenciados em Sociologia passaram a reivindicar o direito de assumir essas aulas. Depois de muitas lutas, estes professores foram, progressivamente, ocupando seu lugar nas escolas. No entanto, esta prática privatista de repassar as aulas de Sociologia para professores amigos ainda é comum em muitas escolas. De tempos em tempos surgem casos em que o professor não é formado na ciência específica. E o que mais nos assusta é que há um exército de sociólogos nas listas de espera para assumir a função que lhe compete no Ensino Médio.
Parece que a lógica que orienta a política para a educação é a do menor custo e não a da qualidade da educação e da melhor assistência aos alunos. Para que um professor concursado possa completar o seu padrão com aulas de sociologia basta que tenha em seu histórico escolar 120 horas dessa disciplina, não importando que ele seja formado em história ou engenharia mecânica. Como a Sociologia é ensinada na maioria dos cursos, pasmem, quase todos os graduados são considerados, pelo Estado, habilitados a ensiná-la e possuem precedência aos licenciados em Sociologia no caso de inexistência de aulas em sua disciplina.
O que gera este problema é que praticamente inexistem professores de Sociologia concursados. O último e único concurso para contratação de professores desta disciplina foi realizado em 2004. Assim, a defasagem de professores do Quadro Próprio do Magistério (QPM) em Sociologia é de mais de 90%. Para suprir esta demanda ano a ano o governo contrata professores em regime de urgência, através do Processo Seletivo Simplificado (PSS). No entanto, os professores já concursados em outras disciplinas, sem aulas no seu padrão, possuem prioridade para assumir as aulas de Sociologia, desde que possuam a carga horária mínima de 120 horas cursadas em seus currículos da disciplina a ser lecionada.
No ano de 2011, a luta dos professores de Sociologia intensificou-se. As principais bandeiras levantadas foram a defesa de uma educação pública de qualidade e pelo direito dos alunos aprenderem Sociologia com sociólogos. O processo de contratação de professores temporários, o chamado PSS, deste ano caracteriza-se por confusão, processos na justiça, protestos e a desclassificação de professores formados em várias disciplinas, incluindo Ciências Sociais, com especialização e experiência de trabalho no Estado do Paraná. Neste ano ocorreu ainda mais um agravante: a distribuição de aulas de Sociologia para completar padrão de professores de outras áreas já é algo comum e previsto na legislação estadual. Contudo, além da distribuição das aulas para completar padrão, o Núcleo Regional de Educação entregou as aulas de Sociologia para professores de outras áreas como aulas extras[1].
Preocupados em ficar sem aulas e insatisfeitos com esta situação, nós, graduados e professores de Sociologia, decidimos nos mobilizar e protestar contra o descaso com a educação pública paranaense. Começamos através de troca de e-mails e em seguida passamos a nos reunir. Já na primeira reunião decidimos que tínhamos que trazer a público a situação que se encontra a educação estadual. Nossa avaliação foi a de que o cidadão paranaense tem o direito de saber o que ocorre dentro dos muros das escolas.
Nossa primeira manifestação foi realizada com diplomas de Cientistas Sociais nas mãos, nariz de palhaço e apitos na boca. Queríamos denunciar a desclassificação injusta de colegas e a distribuição de aulas de Sociologia para outros profissionais. Com apoio da APP Sindicato saímos em caminhada de frente a sua sede em direção ao Núcleo Regional de Educação (NRE), onde a imprensa já nos esperava. Depois de algum tempo de protesto, a chefe do NRE de Maringá admitiu o equívoco e revogou a distribuição de aulas feita a outros educadores. Tínhamos vencido uma batalha.
Na semana seguinte, ao saber que o vice-governador e secretário da educação, Flávio Arns, viria a Maringá, decidimos fazer nova manifestação e entregar uma carta relatando a situação ao secretário. Nossas reivindicações foram por educação pública de qualidade, através da reorganização do PSS 2011 e da realização de concurso público para contratar professores de Sociologia. Informamos ao secretário que pelo menos 90% desses trabalham de forma precária, através do PSS, ou através das complementações de padrão de outras disciplinas. Atencioso, o vice-governador disse concordar com nossas reivindicações e admitiu que solução definitiva é a realização de concurso público para a disciplina específica.
Entendemos que demos um passo a mais no sentido da legitimidade e da consolidação da Sociologia no Ensino Médio. No entanto, a luz no fim do túnel ainda é tênue. Subsiste ainda forte resistência ao ensino de Sociologia por alguns setores da educação pública. Nós, Cientistas Sociais, precisamos matar um leão por dia para garantir que nossa ciência continue a ser ensinada em nível médio. Diante das perspectivas incertas precisamos manter a mobilização e luta para que a Sociologia esteja presente em todos os anos do Ensino Médio e que seja ensinada por sociólogos ou Cientistas Sociais. Neste cenário tenebroso visualizamos apenas salários atrasados, poucas perspectivas de realização de concurso e descaso para com nossos alunos.